terça-feira, 28 de outubro de 2008


Deixei o metro no Rossio e propus-me descer a Rua Augusta a pé, tinha a intenção de disfrutar do passeio agradável que é mirar as montras, os transeuntes, ver a azáfama da vendedora de castanhas que enche de fumo a sua presença e tonifica os odores de quem passa à sua beira, recordar aquela distinta e adiantada dama de idade, trajada a rigor, parada no tempo, que todos os dias, à mesma hora, serpenteando a calçada portuguesa, vai bebericar na Pastelaria Brasileira o seu café habitual, ouvir os pregões da vendedora de flores – olh’à rosa linda, ó freguês compre p’rà sua namorada, rever os insistentes vendedores de óculos contrafeitos que incomodam o turista com os seus preços sibilantes e a qualidade única e singular do seu produto, admirar os pintores de rua com os seus quadros de aguarela, olhar o olhar triste dos pedintes e sem abrigo encostados ao passeio com a sua caixa estendida à solidariedade, censurar os incomodativos vendedores de férias em time sharing que pululam entre o segundo e terceiro quarteirões, os chatos dos putos dos inquéritos de rua (o senhor trabalha dentro ou fora de Lisboa?), apreciar aquela dúzia de turistas que sempre param para admirar e fotografar o belo elevador de Santa Justa ou o arco Triunfal que parece abrigar, cá de cima, el-rei D. José I, as lojas de marcas espanholas que substituíram os velhos lojistas nacionais e procuram dar nova vida a um comércio envelhecido e pouco atractivo para o consumidor moderno, parar perante o senhor estátua que hoje encarna o velho Capitão Gancho e mostra as suas qualidades na arte da estética e do mimetismo, mirar de soslaio o velho carteirista em busca da vítima e da melhor oportunidade para salvar o dia, parar junto aos quiosques e espreitar as gordas dos jornais diários...felizmente, penso, não vejo qualquer loja de chineses, mantém-se pois a rua quase nossa, só abdico e condescendo em favor dos espanhóis, são vizinhos e já não guerreamos ao tempo, até os consideramos hermanos, caramba!

4 comentários:

CPrice disse...

belo retrato Caro Flip .. :)

Luísa A. disse...

É tudo isso que também vejo, Flip, numa amálgama que, a avaliar pelo seu belo retrato – palavras da Once que subscrevo inteiramente – é mais fotogénica do que atraente. A Baixa-Baixa, ao contrário do Chiado, está um bocadinho degradada. Quanto aos chineses, o seu tipo de comércio não tem lugar numa zona que se pretende sofisticar. Abram lojas de qualidade, boas «boutiques», estabelecimentos «gourmet»… e já aqui não está quem falou. :-)

Flip disse...

Cara once,
singelo e tão próximo da realidade quanto possível :-)

Flip disse...

cara luísa,
completamente de acordo, a Rua Augusta e em geral a baixa pombalina não deveria passar por tamanho desconforto, esperemos que a edilidade tenha em conta essa linda sala de visitas de Lisboa e do país
:-)