quinta-feira, 6 de novembro de 2008


Nesse dia acordara cedo, era uma quebra profunda na rotina. As filas de trânsito, o pára arranca, era um golpe ainda mais vigoroso na sua paz diária. Chegado ao hospital e após atravessar aqueles corredores enormes onde se amontoam pessoas por tudo e por nada, já cheio do ruído das sirenes das ambulâncias, das macas espalhadas por todo o lado, das batas brancas diversas que iam voando por todos os cantos, do interrogatório dos bombeiros armados de papel e caneta a lavrarem supostos relatórios em formulários amarelos, brancos ou outra cor, teve ainda que suportar a inclemência das abordagens para os peditórios e para as mais variadas campanhas de doação. Corajoso, dirigiu-se quase mecanicamente para nova fila, era imperioso que tirásse uma senha e aguardásse a sua vez, só depois pôde sentar-se na sala de espera. Calhou-lhe desta vez um lugarzinho num banco corrido, mesmo em frente ao gabinete seis, feche a porta s f f, lia-se junto à maçaneta. Um televisor pendia do tecto e dava as notícias, as imagens eram distorcidas, via-se que a emissão não estava bem sintonizada. Com ele, na sala, outros utentes aguardavam a chamada, alguns dormitavam, outros encolhiam os ombros, outros ainda iam comentando as suas maleitas, o resultado das análises que lhes parecia chinês pois não entendiam nada, as dores nas costas e por todo o lado, a velhice meu caro, a pdi dizia outro, rindo. Alto e em bom som ouvia-se a espaços nas colunas a chamada, senhor Gusmão Andrade gabinete oito, senhor Gusmão Andrade gabinete oito. A televisão continuava a difundir imagem e som, distorcidos, claro, raptando mesmo assim a atenção de dois ou três pacientes, a sala de espera ia ficando mais vazia, o rumor ia-se esbatendo, a tosse do senhor calvo desaparecera, o leque da senhora ruiva deixara de abanar. Passava das onze quando o chamaram, gabinete cinco, gabinete cinco. Levantou-se e entrou, o médico já o esperava, o doutor deu-lhe umas palmadinhas nas costas, vejo-o em grande forma senhor Borges, e a nossa política, que lhe parece? Ora deixe cá ver as análises, os exames trouxe? Óptimo, vejamos então, ora ora, está tudo em ordem, os triglicéridos um nadinha em cima mas nada de alarme, e então, tem-se sentido bem? O senhor Borges balbuciava que sim enquanto o médico lhe auscultava o interior. Foi rápido, depressa o senhor Borges se despachou e estava na central para carimbar a próxima consulta, era para o ano seguinte. Respirou fundo, parecia um automóvel acabado de realizar a inspecção, só não lhe deram o selo para colar no pára-brisas. O seu acompanhante, porém, deixou de o ver, tinha adormecido com o mp3 nos ouvidos no gabinete quatro.

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