terça-feira, 19 de abril de 2011

"A história do homem é a história dos seus fantasmas. As pessoas não pensam, eu penso. Através dos séculos as pessoas deram urros de gozo, de ódio, esfolaram-se mútuamente, queimaram a vida - porquê? Houve os que viveram em cima duma coluna, os que passaram a vida numa dieta de raiz e gafanhoto, os que morreram por um homem que também morreu, os que morreram por uma idéia, e os que morreram por outra idéia que veio logo a seguir e só durou equanto se estava distraído a ver que a anterior afinal já não era idéia nenhuma, os que lutaram a vida inteira para tirar o chicote das mãos de um tipo e metê-lo nas mãos de outro tipo que dava mais gozo quando chicoteava, os que se puseram à roda de uma palavra e se bateram como leões contra os que estavam à roda de outra palavra que queria dizer o mesmo, os que se mataram por uma questão de águas, os que se mataram por uma sardinha, os que levaram a vida inteira à espera de ter razão e quando era a altura de a terem, já não servia, os que jogaram tudo no futuro que lhes fez manguitos e os achou tão patuscos, os que foram idiotas, os cretinos, os petulantes - ó farrapada humana, velha ferraria corroída de ferrugem, lixeira de uma obstinada estupidez. Daqui da minha solidão, frente ao mar, daqui vos cago em cima. E vos admiro com uma veemência humedecida."

(Vergílio Ferreira in Nítido Nulo, 1969)

2 comentários:

mfc disse...

Vivemos estereotipadamente, baseando as nossas convicções em estereótipos.

Flip disse...

mfc,
sem dúvida, a repulsa impõe-se, conservemos a nossa própria identidade.