sexta-feira, 12 de junho de 2009



um artigo interessante na ípsilon, da autoria de Miguel Portas(texto) e Camilo Azevedo (fotografias)
"A esquerda falhou completamente nos países islâmicos do Mediterrâneo
O Sul do Mediterrâneo andou devagar milhares de anos. De repente, levou com colonialismo, ditaduras, globalização - e refugiou-se nas mesquitas. A esquerda tem culpa, reconhece Miguel Portas. "Périplo", com texto de Portas e fotografias de Camilo Azevedo, é uma viagem no tempo e no espaço.(...)
A dificuldade de fazer em 50 anos o caminho que as sociedades do Norte puderam fazer em 150 ou 200, ou seja, a aceleração dos tempos no presente. Onde tive a melhor ideia disto foi em Sana, no Iémen. O camelo ainda é meio de transporte e o último todo-o-terreno também. A sociedade é a do petróleo e ao mesmo tempo tão arcaica, conservadora e fechada como os sauditas das areias. Foi aí que tive a noção de como é difícil a comunidades tribais lidarem com a avalancha de modernidade e ao mesmo tempo com o facto de os modernistas que os dirigiram serem ditadores.(...)
Os poderes locais sempre foram fortíssimos.(...)
A esquerda é vítima quer da força da religião como resistência identitária quer das ditaduras. (...)
A esquerda árabe é tributária da formação marxista europeia e teve sempre dificuldade em compreender o fenómeno religioso. O que faço no livro é um exercício que hoje muita gente na esquerda faz: tentar compreender o fenómeno religioso depois de a fractura entre religião e ciência ter deixado de ser o que era. Hoje a ciência não tem que se opor à fé para resolver problemas de ordem filosófica que decorrem estritamente da crença. Não há resposta científica para algo que decorre da fé. O facto de eu não ter religião, e de pensar que a religião é um produto dos homens, permite-me ter a distância que de algum modo um jornalista pode ter. Não parto para a análise da religião com um "parti pris" de ateu. Parto para a análise da religião como fenómeno humano, que é o que me interessa.(...)
Em Alepo, em 2007, num encontro ecuménico, defendi isto: pelo menos podemos concordar que o homem inventa Deus à sua semelhança. E no fim eles declararam-me crente: você acredita no homem. E eu disse que sim. Tive que dizer. Mas, de facto, hoje não tenho uma crença particular no homem. Transitei do cristianismo para o marxismo bastando-me acreditar no homem. Substituí uma crença por outra. E hoje estou convencido de que o homem é capaz do pior e do melhor, e que não há nenhum destino escrito. Não há uma bondade inata que, no fim, triunfe sobre o mal. É possível, aliás, que o mal triunfe. Tenho a certeza absoluta que se quiser algum bem tenho que lutar muito, e que vale a pena fazê-lo. Mas hoje a minha relação com a crença na humanidade resume-se a quase uma atitude egoísta: poder chegar ao fim da vida e achar que, apesar de tudo, fui útil, não sacaneei o próximo, não fiz coisas de que me tenha mesmo que arrepender. Que a minha vida teve algum sentido - e só entendo a minha vida com outros.(...)
Não me esqueço de um momento em Gaza, num encontro com vários deputados, em que eu e a [eurodeputada] Luisa Morgantini estamos a discutir com eles: "Porque é que continuam a atirar 'rockets'? Isso não presta para nada, não tem nenhum efeito militar, só une a sociedade israelita contra vocês. Que falta de sentido nisso!". E um homem da FDLP [partido de esquerda] levanta-se e diz: "São capazes de ter razão, mas digam-me lá o que faz um gato numa jaula? Pelo menos tem que mostrar as garras. Isto são as nossas garras. A gente sabe que não serve para nada, mas temos que mostrar qualquer coisa".

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