sábado, 8 de agosto de 2009
“Era maior do que julgara quando a vira pela primeira vez. Mesmo assim magra, era um animal soberbo, belo, uma obra-prima de galhardia impossível de reproduzir sequer com o pensamento.
O Velho acariciou-a, ignorando a dor do pé ferido, e chorou de vergonha, sentindo-se indigno, envilecido, de modo nenhum vencedor daquela batalha.
Com os olhos nublados de lágrimas e de chuva, empurrou o corpo do animal para a beira do rio, e as águas levaram-no pela floresta adentro, até aos territórios jamais profanados pelo homem branco, em direcção ao Amazonas, aos rápidos onde seria desfeito por punhais de pedra, para sempre a salvo das indignas alimárias.
Seguidamente, arremessou a espingarda com fúria e viu-a mergulhar sem glória. Besta de metal indesejada por todas as criaturas.
António José Bolívar Proaño tirou a dentadura postiça, guardou-a embrulhada no lenço e, sem parar de amaldiçoar o gringo que estivera na origem da tragédia, o administrador, os garimpeiros, todos os que insultavam a virgindade da sua Amazónia, cortou com um golpe de machete um grosso ramo e, apoiando-se nele, pôs-se a andar na direcção de El Idilio, da sua choça e dos seus romances, que falavam do amor com palavras tão bonitas que ás vezes lhe faziam esquecer a barbárie humana.”
Luís Sepúlveda in “O Velho que lia romances de amor”
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