sábado, 1 de agosto de 2009
«Há, minha senhora, com respeito ao que sucede neste mundo, três teorias distintas ― que tudo é obra do acaso, que tudo é obra de Deus, e que tudo é obra de várias coisas, combinadas ou entrecruzadas. Pensamos, em geral, em termos da nossa sensibilidade, e por isso tudo se nos volve num problema do bem e do mal; há muito que eu mesmo sofro grandes calúnias por causa dessa interpretação. Parece não ter ainda ocorrido a ninguém que as relações entre as coisas ― supondo que haja coisas e relações ― são complicadas demais para que algum deus ou diabo as explique, ou ambos as expliquem.»
«Sou o mestre lunar de todos os sonhos, o músico solene de todos os silêncios. Lembra-se do que tem pensado quando, sozinha, está ante uma grande paisagem de arvoredos e de luar? Não se lembra, porque pensou em mim, e, devo dizer-lho, verdadeiramente não existo. Se existe qualquer coisa, não sei.
«As aspirações vagas, os desejos fúteis, os tédios do vulgar, ainda quando o amamos, os aborrecimentos do que não aborrece ― tudo isso é obra minha, nascida de quando, deitado à margem de grande rios do abismo, penso que também não sei de nada. Então o meu pensamento desce, eflúvio vago, às almas dos homens e eles sentem-se diferentes de si mesmos.»
Fernando Pessoa in “A Hora do Diabo”
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