sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Vinte anos depois do Muro a história continua
Passaram vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, um dos símbolos vergonhosos da divisão da Guerra Fria e da perigosa separação do mundo em blocos e esferas de influência. O período actual permite-nos observar aqueles acontecimentos e formar uma opinião menos emocional e mais racional. Os políticos do século XX evitaram uma guerra nuclear. Mas o mundo não é um lugar mais seguro.

A primeira nota optimista indica que o muito anunciado fim da história não aconteceu em absoluto. Mas também não atingiu o ponto esperado pelos políticos da minha geração: um mundo em que, com o fim da guerra fria, a humanidade pudesse finalmente esquecer a aberração da corrida ao armamento, os conflitos regionais e as disputas ideológicas estéreis e entrar numa espécie de século dourado de segurança colectiva, uso racional dos recursos, fim da pobreza e da desigualdade e a restauração da harmonia com a natureza. Outra consequência é a interdependência das questões importantes que têm que ver com o sentido da existência da humanidade. Esta interdependência não se dá apenas entre os processos e feitos que ocorrem nos diferentes continentes, mas também com o vínculo a interligação entre as mudanças económicas, tecnológicas, sociais, demográficas e culturais de milhares de milhões de pessoas. A humanidade começou a transformar-se numa civilização única.

Ao mesmo tempo, o desaparecimento da chamada Cortina de Ferro e das fronteiras uniram não só os países que até há pouco tempo representavam diferentes sistemas políticos, mas também civilizações, culturas e tradições. Os políticos do século passado, podem-se orgulhar de ter evitado o perigo de uma guerra nuclear. No entanto, para milhões de pessoas, o mundo não se tornou num lugar mais seguro do que era antes. Conflitos locais numerosos, guerras étnicas e religiosas têm surgido no novo mapa da política mundial. A prova evidente do comportamento irracional da nova geração de políticos é o facto dos orçamentos de defesa de muitos países, grandes ou pequenos, são maiores do que eram durante a Guerra Fria, assim como os métodos repressivos são cada vez mais o meio para resolver conflitos, que se tornou num aspecto comum e normal das actuais relações internacionais. Infelizmente, nas últimas duas décadas, o mundo não se tornou um lugar mais justo. As disparidades entre a pobreza e a riqueza aumentaram, não só nos países em desenvolvimento, mas também nas nações mais desenvolvidas. Os problemas sociais da Rússia, tais como em outros países ex-comunistas, são uma prova de que o simples abandono de um modelo defeituoso de economia centralizada e de planificação burocrática não é suficiente para garantir tanto a competitividade do país numa economia globalizada, como o respeito dos princípios da justiça social.

Devem-se acrescentar novos desafios. Um deles é o terrorismo, convertido na "bomba atómica dos pobres" não apenas no sentido figurado mas também no sentido literal. A proliferação descontrolada de armas de destruição em massa, a concorrência entre os antigos adversários da Guerra Fria para atingir novos níveis tecnológicos na produção de armas e a emergência de novos pretendentes a desempenhar um papel de protagonismo num mundo multipolar, aumentam a sensação do caos que está afligir a política global. As verdadeiras conquistas que podemos celebrar têm a ver com o facto de o século XX ter posto um fim às ideologias totalitárias, especialmente as inspiradas por crenças utópicas. Mas também ficou evidente que o capitalismo ocidental, privado agora do velho adversário histórico e imaginando-se como o vencedor indiscutível e a encarnação do progresso global, pode conduzir a sociedade ocidental e o resto do mundo a um novo e ameaçador beco sem saída.

MIJAÍL GORBACHOV in "El País" (excerto)

2 comentários:

Gi disse...

Isto é um excerto????!!!! Vai lá vai! ;)

Flip disse...

Gi
mas vale a pena não?!
:-)