quarta-feira, 25 de novembro de 2009


"(...) Meu Deus, a pouco e pouco vamo-nos tornando sótãos onde o passado amarelece, a pouco e pouco os sótãos invadem a casa que somos, principiamos a mover-nos entre sombras truncadas de gente, emoções, memórias. Lentamente tiram-nos tudo, o presente afunila-se, o futuro uma parede. E nós, apesar de adultos, tão crianças ainda, assustados, perdidos, juntando pedaços dispersos para nos reconstruirmos de novo, continuarmos. Na direcção de quê? Para onde? Quem nos espera ainda?
(...) Primeira pergunta: o que nos aconteceu? Segunda pergunta: o que será de nós? Não mandamos nada, os dias vêm e cavalgam-nos, arrastam-nos para onde lhes dá na gana, o nosso livre arbítrio é tão limitado, o que podemos escolher tão pouco.
(...) ... passei as poucas horas livres que me deram a olhar para o tecto e a pensar numa frase de Einstein: devemos fazer tudo o mais simplesmente possível mas não mais simplesmente do que isso. O raio da frase não me largou toda a semana, na certeza de que me havia de servir não entendia para quê, enquanto ela se transformava em mim, crescia, se ramificava, principiava a dar botões, se me dissolvia no sangue. Há-de chegar à mão, há-de sair, não sei de que maneira, numa página qualquer, ou então atravessar as páginas todas. Devemos fazer tudo o mais simplesmente possível mas não mais simplesmente do que isso: grande cabrão que acertou em cheio."

excerto da crónica de António Lobo Antunes na 'Visão'

1 comentário:

Flip disse...

Luísa,
simples, assim simplesmente
:-)