quarta-feira, 10 de junho de 2009


no DN:

"José Eduardo Agualusa espreita o trágico futuro de Luanda
por MARIA JOÃO CAETANOHoje

Em 'Barroco Tropical', lançado pela Dom Quixote, o escritor angolano imagina o futuro próximo de Luanda: o fim do petróleo, a profunda crise social, o medo. Um livro "fantasista" mas que é também um aviso. "Espero que sirva para lançar o debate, pelo menos nesse pequeno grupo de pessoas que o lêem".
"Luanda corre a toda a velocidade em direcção ao Grande Desastre", diz Bartolomeu Falcato, o escritor angolano que surgiu em As Mulheres do Meu Pai (2007) e que agora ganha protagonismo em Barroco Tropical. Bartolomeu Falcato não é José Eduardo Agualusa. Mesmo se ambos moraram em Berlim e Amesterdão, se escrevem poemas que serão musicados por João Afonso, se ouvem Bossa Nova e se até se envolveram numa polémica por criticarem a poesia de Agostinho Neto. Mesmo se ambos partilham a preocupação pelo futuro do seu país. José Eduardo Agualusa não é Bartolomeu Falcato mas gosta de lançar estas pequenas piscadelas de olho aos seus leitores, de lhes ir dando pequenos pedaços de si. E há outra maneira de escrever?
Bartolomeu Falcato, o escritor, e Kianda, a cantora, são os protagonistas de Barroco Tropical. Uma história passada em 24 horas - "de um crepúsculo a outro crepúsculo" - em Luanda. São Paulo de Assunção de Luanda. "Oito milhões de pessoas aos uivos, aos choros e às gargalhadas. Uma festa. Uma tragédia. Tudo o que pode acontecer acontece aqui. O que não pode acontecer, acontece igualmente."
De acordo com ao resumo feito na contracapa, a acção passa-se em 2020. É a única referência à data. O futuro pressente-se em pequenas coisas - as referências à senhora Presidente e ao fim do petróleo são as mais óbvias. "O futuro permite pensar melhor o presente", explica Agualusa. " É um futuro muito próximo mas que permite esse distanciamento para pensar em determinadas dinâmicas que estão presentes hoje na sociedade angolana e imaginar o que pode acontecer."
No livro, acontece o pior. "É uma distopia", reconhece o autor. "O movimento de crescimento económico quebra com o fim do petróleo, os grande prédios que estavam em construção ficam parados, a fractura social aprofunda-se e Luanda torna-se um pesadelo maior do que já é." A referência ao filme Blade Runner, de Ridley Scott, não é inocente - o ambiente é quase de um pós-apocalipse, com um prédio abandonado onde há prostitutas e raves de kuduro; com um bar que nunca fecha e onde pára um homem que perdeu o rosto e se esconde sob uma máscara do Rato Mickey; um centro médico que é como uma prisão em forma de labirinto e onde os "doentes" estão acorrentados às camas. A Termiteira, o prédio de Falcato, é um microcosmos da sociedade - as elites vivem no topo e à medida que se desce nos elevadores desce-se também na condição humana, até chegar às galerias do subsolo, habitadas por mendigos e criminosos e onde a Menina-Cão é queimada, acusada de feitiçaria.
A galeria de personagens é, na verdade, incrível. "Por isso também o livro se chama Barroco Tropical, porque tem uma exuberância de personagens que normalmente eu tento controlar", justifica o autor. "Deixei que os personagens surgissem e criei uma estrutura que fosse capaz de os amparar. "
José Eduardo Agualusa diz que este é o seu livro menos realista. "É o mais fantasista de todos, o que está menos colado à realidade." Porque tem anjos a dançar nos telhados, sonhos inexplicáveis, um jovem autista que desenha o futuro e uma Mãe Mocinha que sabe coisas que ninguém lhe disse. E, no entanto, a gente lê e acredita. "O interessante é ver como as pessoas o lêem como se fosse um documentário. O que é bom, quer dizer que acreditam naqueles personagens, que os levam a sério, mesmo se eles se movimentam entre anjos e sereias."
Luanda caminha para o desastre mas José Eduardo Agualusa acredita que ainda é possível inverter a situação. Barroco Tropical pode ser visto como "uma história de amor num contexto difícil", mas Agualusa gostaria que fosse um bocadinho mais do que isso. "Espero que sirva para lançar o debate, pelo menos nesse pequeno grupo de pessoas que o lêem, e que esse debate sirva para alterar estas tendências." Uma corrida contra o tempo. Faltam onze anos para o futuro."

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