FlipVinagre

Há dias assim...

Estava na estação à espera do combóio, absorto e distraído com os meus pensamentos, a pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo, o olhar cravado nos desenhos da calçada branca e negra, e quando dou por mim estava no Cais do Sodré. Tinha voado, distraidamente. Lembro-me de ter descido para o Metro, é já o instinto que me guia, e depois sair no Saldanha. Já quase no meu destino, oiço uma voz, doce, meiga, de mulher, disse-me, “Bom dia, o senhor desculpe, mas tem um sapato de cada cor”, e ela riu-se, timidamente, mostrando ainda alguma inquietação, talvez receando uma reacção brutal e estúpida da minha parte, quiçá uma ofensa à sua ignorância na moda. Foi então que dirigi o meu olhar para o que calçava e, não queria acreditar no que via, um sapato castanho num pé e no outro um sapato branco, ainda por cima um era de fivela e o outro tipo mocassin. Pensei logo na figura que ia fazer mal pisásse o escritório, todo o mundo diria que eu estava insano, já não bate bem da bola diriam. Agradeci-lhe o reparo e ri também, ela afastou-se e vi que ela ia a abanar a cabeça, se calhar a pensar este tipo é doido. Não me detive, pensem o que quiserem disse de mim para mim, quero lá saber. Tal e qual, a malta riu, teceu vários comentários, mas não fiquei descalço, aliás, os sapatos são ambos confortáveis, e tive um dia porreiro pá, verdade, foi mesmo porreiro, nesse dia até voltei a ver a tal mulher meiga e de voz doce, era simpática, porém casada, pois, eh pá não se pode ter tudo não é? Mas depois vim a saber que se estava a divorciar Há dias assim, de várias cores.
(dando ao dedo por dá cá aquela palha, sem rumo certo)