sexta-feira, 31 de julho de 2009
Gauguin
"O Velho Fausto parecia um Domingo. Costumava vê-lo, manhã cedo, cruzar o passeio, pisando sem ruído as flores das acácias, muito aprumado no seu fato de linho branco, chapéu de palha, laço e bengala, e tão sem pressa, meu Deus!cumprimentando com acenos lentos(largos sorrisos) a turba ansiosa. Um dia alguém o provocou:
«Afinal, o que faz você nos dias úteis?»
Ele sorriu, ainda mais generoso, e o claro fulgor dos seus dentes perfeitos cegou o atrevido:
«Todos os meus dias são inúteis», respondeu com solene orgulho: «Eu os passeio.»
Durante muitos anos, devo confessar, quis ser como ele. Hoje sei que pecava por excessiva ambição.Trabalhando intensamente qualquer pessoa é capaz de alcançar, no fim da vida, relativa prosperidade e a admiração dos outros. Um ladrão hábil pode ficar rico em dez ou quinze anos. A conquista do poder também impõe considerável esforço; isto, já para não falar em santidade ou heroicidade. A inutilidade, porém,
exige algo de mais difícil:talento.Nem todos podem ser inúteis, realmente inúteis, da mesma forma que poucos conseguem fazer chorar um violino. Também nem todos merecem ser inúteis.Fausto, sim, era inútil- e merecia-o. Foi, enquanto viveu, ocioso e magnífico como uma bela tela de Gauguin."
José Eduardo Agualusa in "O homem que parecia um domingo - Contos e crónicas"
quinta-feira, 30 de julho de 2009
"Muitos anos mais tarde, neste ano em que escrevo esta história, estava num fim do mundo, junto ao rio Guadiana, num sítio tão vazio quanto o deserto, lá em baixo, no Alentejo. Estava a recuperar o fôlego de uma longa caminhada e tinha-me sentado numa pedra a olhar o rio que corria no fundo do desfiladeiro. Creio que estaria como tu estavas naquele dia, o mesmo olhar perplexo perante a vastidão daquele cenário: há alturas em que a beleza é tão devastadora que magoa. Devia haver qualquer coisa na forma como eu olhava aquela paisagem, todo aquele despojamento humano, que fez com que o alentejano que estava comigo, e que tinha sido pastor naqueles vales, comentasse:
- A terra pertence ao dono, mas a paisagem pertence a quem a sabe olhar.
E era assim connosco naqueles dias, também. Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar."
Miguel Sousa Tavares in "No teu deserto"
Vilhelm Hammershøi
Caminha devagar:
desse lado o mar sobe ao coração.
Agora entra na casa,
repara no silêncio, é quase branco.
Há muito tempo que ninguém
se demorou a contemplar
os breves instrumentos do verão.
Pelo pátio rasteja ainda
o sol. Canta na sombra
a cal, a voz acidulada.
Eugénio de Andrade in O Peso da Sombra
terça-feira, 28 de julho de 2009
fixou o seu olhar no relógio e ensaiou conjugar meia dúzia de palavras com nexo mas, um icebergue de baunilha com lascas de limão e alguns vestígios de natas baralharam-lhe as ideias e dali resultou nada, excepto um prazer nas papilas gustativas que o levou, transitoriamente, a um saboroso esquecimento da realidade
A father was at the beach with his children
when the four-year-old son ran up to him,
grabbed his hand, and led him to the shore
where a seagull lay dead in the sand.
"Daddy, what happened to him?" the son asked.
"He died and went to Heaven," the Dad replied.
The boy thought a moment and then said,
"Did God throw him back down?"
" Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...Espantem-se à vontade; podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluído, um homem, muitos homens, um objecto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafísicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior daquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. " Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração. " Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma..."
Machado de Assis in "O espelho, esboço de uma nova teoria da alma humana"
segunda-feira, 27 de julho de 2009
domingo, 26 de julho de 2009
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Lisa Ekdahl em Cascais - foto flipvinagre
E o Cool Jazz Fest continuou esta noite, fresquinha, com a maravilhosa Lisa Ekdahl no Parque Marechal Carmona, Cascais. Ouviram-se trechos já clássicos e também novas melodias do seu novo album "Give me that slow knowing smile" onde, além do jazz, recorre a um combinado pop-folk. Lisa foi magistralmente acompanhada por um trio composto pelo multi-instrumentalista Mattias Blomdahl, Andreas Nordell e Tomas Hallonsten, terminando com um arranjo magnífico de “My Heart Belongs to Daddy”. Além de linda, canta como uma deusa. Valeu.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Brincar à Lingua Portuguesa
Um tufão pequeno: um tufinho?
O pequeno viaduto é um abreviaduto?
Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
Em águas doces alguém se pode salpicar?
O mato desconhecido é que é o anonimato?
A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente.
Onde se esgotou a água se deve dizer: «aquabou»?
Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?
Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?
Mia Couto
quarta-feira, 22 de julho de 2009
esta decisão unilateral do tempo dispor que chova em Julho não cabe na razoabilidade de um bom pater familiae, é que há muitas pessoas em férias, outras tantas que gostam de praia e, convenhamos, não estava previsto, trata-se de mais um caso de imprevisibilidade danosa, a quem é que demando e imputo responsabilidades?
"Estou diante da tua porta, impecavelmente vestido e com um ramos de gardénias na mão.
Tenho a intenção de tocar, esperar uns segundos e ver aparecer a tua cabeça na moldura da entrada com uma expressão de cínica surpresa, pois ambos sabemos que estás à minha espera. Tenho a intenção de entrar, boa tarde, como estás, dar o primeiro passo, a alcatifa branca, o cadeirão, um café, cigarros turcos em cima da mesa, louvores pelo bom gosto na escolha dos cinzeiros, e as abomináveis reproduções de Picasso. (...)
Tomo balanço, isto é, a mão retrocede até ficar paralisada como que por uma parede de ar que impede uma maior deslocação e se prepara para cair contra a superfície branca da porta. (...)
Assim, as gardénias envelhecem em poucos segundos no seu invólucro transparente e, quando parto atravessando os umbrais do edifício, aquela boca que me cospe para a solidão húmida da rua, e inicio a minha caminhada com a cabeça metida entre os ombros sentindo uma vez mais a vergonha da derrota, acontece-me escutar nitidamente, lá em cima, o teu pranto de gardénias ausentes."
Luis Sepúlveda in "Encontro de amor num país em guerra"
Students at a local school were assigned to read 2 books, 'Titanic' and 'My Life' by Bill Clinton.
One student turned in the following book report, with the proposition that they were nearly identical stories!
His cool professor gave him an A+ for this report.
Titanic:.... Cost - $29.99
Clinton :..... Cost - $29.99
Titanic:..... Over 3 hours to read
Clinton :... Over 3 hours to read
Titanic:..... The story of Jack and Rose, their forbidden love, and subsequent catastrophe.
Clinton :... The story of Bill and Monica, their forbidden love, and subsequent catastrophe.
Titanic:.... Jack is a starving artist.
Clinton :...... Bill is a bullshit artist.
Titanic:.... In one scene, Jack enjoys a good cigar.
Clinton :.... Ditto for Bill.
Titanic:..... During the ordeal, Rose's dress gets ruined.
Clinton :..... Ditto for Monica..
Titanic:..... Jack teaches Rose to spit.
Clinton :.... Let's not go there.
Titanic:..... Rose gets to keep her jewelry.
Clinton :.... Monica' s forced to return her gifts.
Titanic:...... Rose remembers Jack for the rest of her life.
Clinton :..... Clinton doesn't remember Jack.
Titanic:..... Rose goes down on a vessel full of seamen.
Clinton :..... Monica.. ooh, let's not go there, either.
Titanic:..... Jack surrenders to an icy death.
Clinton :..... Bill goes home to Hillary - basically the same thing.
One student turned in the following book report, with the proposition that they were nearly identical stories!
His cool professor gave him an A+ for this report.
Titanic:.... Cost - $29.99
Clinton :..... Cost - $29.99
Titanic:..... Over 3 hours to read
Clinton :... Over 3 hours to read
Titanic:..... The story of Jack and Rose, their forbidden love, and subsequent catastrophe.
Clinton :... The story of Bill and Monica, their forbidden love, and subsequent catastrophe.
Titanic:.... Jack is a starving artist.
Clinton :...... Bill is a bullshit artist.
Titanic:.... In one scene, Jack enjoys a good cigar.
Clinton :.... Ditto for Bill.
Titanic:..... During the ordeal, Rose's dress gets ruined.
Clinton :..... Ditto for Monica..
Titanic:..... Jack teaches Rose to spit.
Clinton :.... Let's not go there.
Titanic:..... Rose gets to keep her jewelry.
Clinton :.... Monica' s forced to return her gifts.
Titanic:...... Rose remembers Jack for the rest of her life.
Clinton :..... Clinton doesn't remember Jack.
Titanic:..... Rose goes down on a vessel full of seamen.
Clinton :..... Monica.. ooh, let's not go there, either.
Titanic:..... Jack surrenders to an icy death.
Clinton :..... Bill goes home to Hillary - basically the same thing.
casa tradicional - Olivª do Hospital - foto flipvinagre
A casa como se fosse a crisálida,
e os seus habitantes esperando - os seres
do casulo, aprendendo a vida.
Não bato à porta, para
não os perturbar, nem saber
as feições do seu rosto, o som
da sua voz, a articulação
de uma frase sem fim.
Mas o olhar que atravessa
as paredes, como o vidro transparente
da eternidade, adivinha os corpos
em volta da mesa, os brindes
que secaram nos seus copos,
os olhares cúmplices
no viço dos minutos.
E entro pela porta fechada,
juntando-me ao grupo dos que
acordam para a vida.
e os seus habitantes esperando - os seres
do casulo, aprendendo a vida.
Não bato à porta, para
não os perturbar, nem saber
as feições do seu rosto, o som
da sua voz, a articulação
de uma frase sem fim.
Mas o olhar que atravessa
as paredes, como o vidro transparente
da eternidade, adivinha os corpos
em volta da mesa, os brindes
que secaram nos seus copos,
os olhares cúmplices
no viço dos minutos.
E entro pela porta fechada,
juntando-me ao grupo dos que
acordam para a vida.
Nuno Júdice
terça-feira, 21 de julho de 2009
Deslumbrar perante a vida
"E diz: Eu Molero, poseur, ignorante e cabotino, falso íntimo de profundidades várias e outros abismos, correndo há milhares de anos atrás da minha veia caótica, fazendo agulha para os descampados das aferições mais ou menos compartimentadas, distribuindo de passagem lantejoulas literárias em segunda mão, confesso muitas vezes dar comigo, em certas manhãs suspensas, sentado num banco de jardim, vendo as crianças correndo alegremente para a escola, desenhando no ar os gestos da minha antiquíssima imagem, e confesso este espanto, este perfume, esta luz sobre os telhados, esta ave e este céu, este riso e esta cor, este jogo do agarra, estas mãos que tudo querem, esta estampa na sacola, este grito de alegria, esta troca de pedrinhas, este saltitar à chuva, esta água de brincar deste chafariz que canta, este bibe, esta violeta, esta mulher que vai ali, esta mulher que eu amo tanto, este filho que eu lhe dava, este coração que quero, este mundo que começa, este sol que é o primeiro, esta nuvem que se forma, este som que desagua, este sonho que se afasta, este regresso à tarde, esta luz indirecta no vestibulo, este espelho, oh este espelho, o ombro já curvado, o olhar turvo, o passo preso, a tosse seca, o tempo atrás deitado ao vento, as cores da vida num só, o meu próprio estudo em sépia".
Diniz Machado in "O que diz Molero"
segunda-feira, 20 de julho de 2009
domingo, 19 de julho de 2009
Há dias em que a melancolia chove dentro de nós como num pátio interior, atapetado de jornais velhos. Não se ouve, não se sente - mas rebrilha na sujidade densa. Eu estava num desses dias quando afastei a cortina e olhei pela janela a tarde que se ofuscara de repente, com pressa de se evadir da atmosfera enfastiada e, sobretudo, de um cenário sem alegria (…) Mas em fechando a cortina tudo isso desaparecia: eis-me de novo isolado no gabinete fofo, de paredes que, a partir de certo momento, me davam a sensação irrespirável de uma espessura acolchoada onde tudo ficava retido: a fadiga, o silêncio.
Fernando Namora in "Retalhos da Vida de Um Médico
em Oliveira do Hospital - foto flipvinagre
voltar ao ninho da familia, beber do convivio são e fraterno com tios e primos é como recarregar baterias e a ocasião foi ainda mais além pois o pequenino Luís Maria foi baptisado.
São tónicos destes que nos alimentam a alma e vão alumiando o caminho, revisitar uma parte do berço, constatar mudanças e benfeitorias que o tempo vai impondo, saber que um dos nossos cantinhos especiais ainda conserva as características que nos moldaram o ser, é um bem agradável de sorver, e por isso aquela emoção de menino volta sempre, com um brilho nos olhos para notar o que mudou, o que melhorou, e o que ainda continua na mesma, como é nosso desejo bem fundo que fique preservado.
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