quinta-feira, 30 de julho de 2009



"Muitos anos mais tarde, neste ano em que escrevo esta história, estava num fim do mundo, junto ao rio Guadiana, num sítio tão vazio quanto o deserto, lá em baixo, no Alentejo. Estava a recuperar o fôlego de uma longa caminhada e tinha-me sentado numa pedra a olhar o rio que corria no fundo do desfiladeiro. Creio que estaria como tu estavas naquele dia, o mesmo olhar perplexo perante a vastidão daquele cenário: há alturas em que a beleza é tão devastadora que magoa. Devia haver qualquer coisa na forma como eu olhava aquela paisagem, todo aquele despojamento humano, que fez com que o alentejano que estava comigo, e que tinha sido pastor naqueles vales, comentasse:
- A terra pertence ao dono, mas a paisagem pertence a quem a sabe olhar.
E era assim connosco naqueles dias, também. Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar."

Miguel Sousa Tavares in "No teu deserto"

4 comentários:

Gi disse...

Cá em Portugal o Alentejo é o único sítio onde me sinto em África.

Já falei várias vezes sobre isso no meu blogue.

Adoro o Alentejo.

Flip disse...

Gi
sem dúvida, assim sinto, também, aquela vastidão, o sol ou apenas o vento se ouve...como te compreendo!
:-)

Luísa A. disse...

Já ouvi dizer «assim-assim» deste livro, Flip. Qual é a sua opinião? :-)

Flip disse...

Luísa,
consta na capa que é um “quase romance”. Não ponho isso em causa, que seja. É um livro light, não tão forte nem tão pleno ou elaborado como os anteriores, e que a Luísa leu de certeza, mais intimo, mais pessoal.
Outra faceta do MST.
Em suma, um quase romance de alguém que, durante quarenta dias, tentou dizer algo a outra pessoa numa viagem rumo ao Sul carregada de areia, aventura, pó, humor, desejo, sentimento, peripécias, estrelas, tempestades… Acabou por não dizer nada durante os quarenta dias…; fê-lo agora, através da escrita e após vinte anos…
MST entendeu Mark Twain quando um dia disse que ”a melhor forma de conhecermos alguém, é viajarmos com ela…”.
Vai gostar :-)