domingo, 13 de setembro de 2009
"Estou pouco preparada para a reflexão, mas nas últimas semanas dei comigo a reflectir sobre o meu passado com tal frequência que só pode explicar-se como um sinal de senilidade prematura. Dois acontecimentos recentes desencadearam esta epidemia de recordações. 0 primeiro foi uma observação ocasional do meu neto Alejandro, o qual me surpreendeu a esquadrinhar diante do espelho o mapa das minhas rugas e disse, compassivo: «Não te preocupes, velha, vais viver pelo menos mais três anos». Decidi nesse momento que tinha chegado a hora de olhar a minha vida de modo diferente, para averiguar como desejo conduzir esses três anos que tão generosamente me foram concedidos. 0 outro acontecimento foi a pergunta de um desconhecido durante uma conferência de escritores de viagens, que me coube inaugurar. Devo esclarecer que não pertenço a esse estranho grupo de pessoas que viaja para lugares remotos, sobrevive às bactérias e publica livros para convencer os incautos a seguirem os seus passos. Viajar é um esforço excessivo, e mais ainda a lugares onde não haja serviço de quartos. Sei alguma coisa de viagens e por isso me pediram que falasse naquela conferência. Quando terminei o meu breve discurso, levantou-se um braço e um jovem perguntou-me qual o papel da nostalgia nos meus romances. Fiquei momentaneamente sem palavras. Nostalgia, segundo o dicionário é «a dor de estar ausente da pátria, a melancolia provocada pela recordação de uma felicidade perdida». A pergunta cortou-me a respiração, porque até esse instante não me tinha dado conta de que escrevo como um exercício constante de saudade. Fui estrangeira durante quase toda a minha vida, condição que aceito porque não tenho alternativa. Várias vezes me vi forçada a partir, rompendo laços e deixando tudo para trás, para começar de novo noutro lugar; fui peregrina por mais caminhos do que os que a memória me consente. De tanto me despedir secaram-se-me as raízes e tive de gerar outras que, à falta de um lugar geográfico onde se fixarem, o fizeram na memória. Mas, cuidado! A memória é um labirinto onde espreitam minotauros."
Isabel Allende, 0 Meu País Inventado
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