segunda-feira, 14 de setembro de 2009
O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de reanimação. Há uma enfermeira ao seu lado. E pergunta se correu tudo bem.
- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.
- Eu estava com medo desta operação...
- Por quê? Não havia risco nenhum.
- Comigo, há sempre risco. A minha vida tem sido uma série de enganos...
E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebés no berçário e foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o facto de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, foi viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois de ela não saber explicar o nascimento de um bebé chinês.
- E o meu nome? Outro engano.
- Seu nome não é Lírio?
- Era para ser Lauro. Enganaram-se no cartório e...
Os enganos sucediam-se. Na escola, vivia a ser castigado pelo que não fazia. Fizera o secundário com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador enganara-se e o seu nome nunca apareceu na lista.
- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de mil euros.
- O senhor não faz chamadas interurbanas?
- Eu não tenho telefone!
Conhecera a sua mulher por engano. Ela confundiu-o com outro. Não foram felizes.
- Por quê?
- Ela enganava-me.
Foi preso várias vezes, também por engano. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando uma vez ouvira o médico dizer:
- O senhor desta não se safa.
Mas foi também um erro do doutor. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.
- E se a senhora enfermeira me diz que a operação correu bem...
A enfermeira parou de sorrir.
- Apendicite? - perguntou ela hesitante…
- Sim. A operação era para tirar o apêndice.
- Não era para trocar de sexo?
Luís Fernando Veríssimo, in “Comédias para se Ler na Escola”, 2001
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