domingo, 21 de setembro de 2008



Hoje pus os meus olhos numa obra de Ondjaki, "Bom dia Camaradas". Este jovem autor angolano transporta-nos para uma Angola onde ainda predominava a cooperação cubana e que decorre na sua infância. Como ele próprio diz, "A infância é um antigamente que sempre volta. Este livro é muito isso: busca a exposição dos momentos, dos cheiros e das pessoas que fazem parte do meu antigamente, numa época em que angola e os luandenses formavam um universo peculiar. Tudo isto contado pela voz da criança que fui, tudo isto embebido na ambiência dos anos 80: Os cartões de abastecimento, os professores cubanos, o hino cantado de manhã. Todas estas coisas, mais o camarada António... Esta estória ficcionada, sendo também parte da minha história, devolveu-me memórias carinhosas. Permitiu-me fixar, em livro, um mundo que é já passado. Um mundo que me aconteceu e que, hoje, é um sonho saboroso de lembrar". Assim o jovem angolano Ondjaki define o seu 'Bom dia camaradas'."

Aqui fica uma breve passagem: "Se isto que eu vou dizer existe, então aquela noite tinha um cheiro quente, que pode ser uma coisa, imaginem, onde se ponha rosas muito encarnadas, folhas de trepadeira com um bocadinho de poeira, muita relva, barulho de grilos, barulho de lesmas a andar em cima da baba, barulho de gafanhotos, um só barulho de cigarra, um cacto pequeno, fetos verdes, duas folhas grandes de bananeira e um tufo enorme de chá de caxinde, assim tudo bem espremido, eu acho que ia ser o cheiro desta noite."

Ao ler esta pequena passagem do escrito, não pude deixar de me sentir também transportado para a minha infância e recordar, em Angola, o cheiro da terra molhada após um trovoada enorme, onde o ribombar dos trovões tudo abanava e as faíscas dos relâmpagos sulcavam os céus rasgando-o em várias formas, sinuosas, o cheiro da floresta e os barulhos que dela emergiam em simultâneo com um silêncio só quebrado pelo som de uma ou outra pequena cascata ou um pequeno riacho e que nos proporcionava um bem estar sem paralelo, o linguajar das aves que pareciam gritar e anunciar a nossa presença, de uma beleza sem igual, ou, quando me encontrava em Luanda, o cheiro do mar, aquela brisa que nos entrava nas narinas e que saía da restinga e da baía. Obrigado Ondjaki, por momentos revivi os doces tempos dessa infância africana, que jamais esquecerei, que me enriqueceu e moldou o ser e a alma.

Sem comentários: