terça-feira, 1 de setembro de 2009


"Estou diante da tua porta, impecavelmente vestido e com um ramo de gardénias na mão.
Tenho a intenção de tocar, esperar uns segundos e ver aparecer a tua cabeça na moldura da entrada com uma expressão de cínica surpresa, pois ambos sabemos que estás à minha espera. (...) Tomo balanço, isto é, a mão retrocede até ficar paralisada como que por uma parede de ar que impede uma maior deslocação e se prepara para cair contra a superfície branca da porta.
Quando a mão está a escassos milímetros, detém-se, e penso então em todas as possibilidades.
Poderia dar-se o caso de o ruído imprevisto, toc toc, te provocar um repentino pavor.(...)Poderia também acontecer que a minha mão adquirisse uma força infinita e ao segundo toc perfurasse a porta com o consequente ruído de lascas de madeira a caírem no linóleo(...) No meio destas reflexões, a mão começa a tremer-me, entra em convulsões de incerteza(...). Assim as gardénias envelhecem em poucos segundos no seu invólucro transparente e, quando parto atravessando os umbrais do edifício, aquela boca que me cospe para a solidão húmida da rua, e inicio a minha caminhada com a cabeça metida entre os ombros sentindo uma vez mais a vergonha da derrota, acontece-me escutar nitidamente, lá em cima, o teu pranto de gardénias ausente".

Luis Sepúlveda in Encontro d amor num país em guerra

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