terça-feira, 13 de janeiro de 2009


Era tudo gente de poucas letras e de muito trabalho.
No café do bairro. Deus dividia-os. Que sim, que não...e pegaram-se.
O estudante de filosofia, ali aportado por acaso, foi-se deixando ficar. Encostado ao balcão, sorria para dentro da ingenuidade dos argumentos. Às tantas, não resistiu:
- Bem, para mim, Deus é um absoluto conflituante, uma essência de tensões irreconciliáveis em infinito antagonismo.
O dono do café apagou a televisão.
- Deus é uma unidade de polos opostos, equidistantes e equipolentes. E, por isso, o Nulo, o Nada, a Hesitação Absoluta. Deus é e não é. Uma luz apagada. Uma ideia sem representação.
As palavras tinham música, eram um sermão, ao contrário.
- Assim, transfere-se para a circunstância a infinita independências das decisões. E a matéria, o universo, a natureza, ganham qualidades de omnipotência, omnisciência e omnipresença...
À volta, esculturas de mármores, as caras.
- E os homens, as sociedades auto-regulam-se conforme leis próprias, sem condicionantes sobrenaturais.
E fez-se luz:
- Eh pá, vamos mas é para casa, que amanhã é dia de trabalho!

Augusto Baptista - Histórias de coisa nenhuma

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