terça-feira, 6 de janeiro de 2009



Eu vinha de comprar fósforos / e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua / não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos. /Entre mim e ela passava gente como se não passasse e ela não podia ficar parada /nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta / para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado E eu tenho visto olhos ! / Mas nenhuns que me vissem nenhuns para quem eu fosse um achado existir / para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia olhos como agulhas de despertar / como íman de atrair-me vivo olhos para mim! / Quando havia mais luz a luz tornava-me quase real o seu corpo / e apagavam-se-me os seus olhos o mistério suspenso por um cabelo / pelo hábito deste real injusto tinha de pôr mais distância entre ela e mim / para acender outra vez aqueles olhos que talvez não fossem como eu os vi / e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério! / Obrigado a ti mulher que não conheço.

Almada Negreiros
in "O Escritor - O Ilustrador" 1993

Sem comentários: