sexta-feira, 17 de abril de 2009


Ele só trabalhava à noite, tinha negócios escuros, diziam, mas era tudo rumores, nada de concreto se apurara sobre as suas actividades. Uns especulavam mas outros, prudentes, preferiam omitir a sua opinião. Faziam bem estes últimos. Para cúmulo, usava sempre óculos escuros, mesmo dentro de casa, do escritório, onde quer que fosse. As pessoas questionavam-se se ele via alguma coisa, mas o facto é que ele não andava às apalpadelas, por isso via, e outros até diziam que ele via muito bem, por exemplo quando a colega vinha um bocadinho mais airosa ele não tirava os olhos dela, melhor dizendo, não tirava os óculos escuros de cima dela. Alguns chamavam-lhe Don Corleone. Quando recebia os amigos também não tirava os óculos escuros. Os amigos, aliás, também só usavam óculos escuros. A intriga, a especulação, a curiosidade agitavam os comentários da vizinhança. Um dia uma vizinha surpreendeu-o no pátio e viu que ele tinha olhos vermelhos, pareciam olhos do diabo. Ela, atrevida, perguntou-lhe, ó menino, mas que olhos são esses? Ai credo (disse ela meio espantada). Ele olhou bem para ela com aqueles olhos tais e ela desmaiou. No dia seguinte, ela própria tinha os olhos diferentes, estavam iguais aos dele.
Ele tinha conjuntivite, era extremamente contagioso e estava em processo de cura, ninguém sabia, ninguém lhe perguntou.