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O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais - tudo, desde a família ao dinheiro, desde a religião ao Estado.
A gente nasce homem ou mulher - quero dizer, nasce para ser, em adulto, homem ou mulher; não nasce, em boa justiça natural, nem para ser marido, nem para ser rico ou pobre, como também não nasce para ser católico ou protestante, ou português ou inglês.
É todas estas coisas em virtude das ficções sociais.
Ora essas ficções sociais são más por quê?
Porque são ficções, porque não são naturais.
Tão mau é o dinheiro como o Estado, a constituição de família como as religiões.
Se houvesse outras, que não fossem estas, seriam igualmente más, porque também seriam ficções, porque também se sobreporiam e estorvariam as realidades naturais.
Ora qualquer sistema que não seja o puro sistema anarquista, completamente, é uma ficção também.
Empregar todo o nosso desejo, todo o nosso esforço, toda a nossa
inteligência para implantar, ou contribuir para implantar, uma ficção social em vez de outra, é um absurdo, quando não seja mesmo um crime, porque é fazer uma perturbação social com o fim expresso de deixar tudo na mesma.
Se achamos injustas as ficções sociais, porque esmagam e oprimem o que é natural no homem, para que empregar o nosso esforço em substituir-lhes outras ficções, se o podemos empregar para as destruir todas?
PESSOA, Fernando. O Banqueiro Anarquista.
2 comentários:
Meu caro Flip, eu também ando a tentar vencer a maior ficção de todas, que é o dinheiro, mas ainda não consegui atingir o patamar perfeito do nosso «banqueiro anarquista». Em todo o caso, anarquista já sou. Falta o resto. ;-D
Luísa
ah, o vil metal, essa convenção suprema, entendo e espero que a ultrapasse urgentemente...
:-)
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