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Muitas vezes, a coisa mais importante para manter um casamento estável não é a fidelidade, a honestidade ou sequer o amor - é o raciocínio rápido. Como mostra esta história.
- Feliz aniversário, doutor Roberto!
- Obrigado, Maura. Obrigado. Pelo menos, alguém se lembrou. Pelo menos, a minha secretária...
- Eu nunca esqueço o seu aniversário, doutor Roberto.
- É verdade. Eu sei. E, este ano, você foi a única que não esqueceu.
- Mas a dona Vivinha...
- Minha mulher? Foi viajar. Escolheu justamente hoje para ir visitar a mãe dela e levar as crianças.
- Eu sinto muito, doutor Roberto.
- Pois é. Esqueceu.
Naquela manhã, antes de sair de casa, ele ainda dera uma indirecta:
- Sabe que eu estou me sentindo óptimo para a minha idade?
A Vivinha nem ouvira. Estava ocupada fazendo sua mala. Depois iria ajudar as crianças a se prepararem para a viagem. Quando ele a beijou na face, disse:
- Olha, tem uma lasanha na geladeira para esta noite. É só esquentar. Nos outros dias, vai ter de comer fora. É só até domingo.
Uma lasanha. Seria o seu jantar de aniversário. Uma lasanha solitária. A triste lasanha de um abandonado. Nem seu Itacir, porteiro do edifício, se lembrara de cumprimentá-lo.
- Maura...
- Sim, doutor Roberto.
- Por favor, não interprete mal o que eu vou dizer...
- O quê, doutor Roberto?
- Você... tem algum programa para esta noite?
- Não. Só ir para casa, jantar e ver novela.
- Sozinha?
- Com a minha mãe, que mora comigo.
- Você não tem, assim, um namorado?
- Tinha, doutor Roberto. - E Maura sorriu antes de continuar: - Mas ele também esquecia muita coisa que não devia esquecer.
- Venha jantar comigo, na minha casa, Maura. Uma lasanha. Não vai ter ninguém lá. E eu tenho televisão.
Maura disse que só precisava avisar sua mãe. Estava subentendido entre eles que uma lasanha pode ser apenas uma lasanha, mas também pode ter decorrências. Afinal, ela estava sem namorado e ele estava se sentindo óptimo para a sua idade. A lasanha podia muito bem inaugurar uma nova fase no relacionamento dos dois, depois de todos aqueles anos. Se tudo desse certo.
Quando ele abriu a porta do apartamento e entrou com Maura, todas as luzes se acenderam e dezenas de vozes gritaram:
- SURPRESA!
A Vivinha liderava o coro, rodeada pelos filhos. Atrás deles, parentes, amigos - até a sogra, que viera especialmente para a festa. Vivinha hesitou antes de abraçá-lo, visivelmente intrigada com a presença de Maura. Foi quando entrou o raciocínio rápido. Esforçando-se para recuperar o fôlego e um ritmo cardíaco normal, Roberto disse:
- Você não pensou que podia me enganar tão facilmente, pensou?
- Você sabia?!
- O seu Itacir não pode guardar segredo. Não se aguentou e me contou de todos os preparativos.
- Não! - gritou Vivinha, abraçando e beijando o marido e depois sua secretária de tantos anos, que, claro, ele fizera muito bem em convidar para a festa.
- Entre, entre, fique à vontade - disse Vivinha para Maura.
E Roberto pensou, respirando fundo: amanhã vou ter de dar uma boa gorjeta para o seu Itacir confirmar sua inconfidência.
Luís Fernando Veríssimo
2 comentários:
Já reparaste que quando o post é um pouquinho maior não há comentários?
A estória é uma delícia.
yep...daí preferir os posts currtos e concizos... mas adoro ler este LFV
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