sábado, 28 de fevereiro de 2009


(Escre)ver-me

nunca escrevi

sou apenas um tradutor de silêncios

a vida
tatuou-me nos olhos
janelas
em que me transcrevo e apago

sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar

Mia Couto

E então, lá do alto da sua presumida sapiência, no arame onde exibia convencidamente a sua opinião graduada, saíu-lhe da caverna que era sua boca para os demais sabichões uma saraivada tal de inventos que ali mesmo perdeu o equilíbrio a sua verborreica credibilidade, amolgando-se também e pesarosamente a sua vaidade, pelo que passou a ocultar-se, submisso, na segunda fila dos precipitados iluminados da prole da boca grande.
Ou seja, tenho pouca paciência para gabarolas, papagaios e afins...


" Une injustice faite à un seul est une menace faite à tous."

Montesquieu

Nada como um exercício destes para expurgar conceitos que nos vão causando mazelas:
"Todos os ofícios são risíveis e caricaturáveis.(...)Os portugueses gostam mesmo pouco de juristas. Na verdade, os portugueses abominam juristas(...)Porquê tamanha desconfiança é um facto que me intriga.
(...) Há a ideia mística de que, de todas as áreas, os juristas são os únicos obrigados profissionalmente a exercer a moralidade em permanência. Um bombeiro tem de saber apagar fogos; um piloto, como conduzir um avião. Só os juristas precisam de ser mais do que apenas competentes. Só os juristas precisam duma virtude inefável a que chamamos justiça. (...) Sempre que se fala na crise da justiça, pensa-se na crise da administração da justiça. Mas há a crise dos juristas, da prática jurídica e do imenso formalismo que reina nos nossos tribunais. Enquanto for assim, continuaremos a fazer tristes figuras. |(artigo no DN de Pedro Lomba - para ler mais clicke aqui)
Este conceito público realmente é ingrato, paga o justo pelo pecador, percebo...mas conforta-me a idéia de continuar a ser solução para dirimir conflitos, e isso dá-me gozo e alimenta-me, é o que basta!

Vou acompanhando as horas da noite com as palavras.
Dedico-me assim, com o acorde do silêncio, ao mais
inocente de todos os afazeres: - à poesia.

Horácio

imagem do site do SLB
O Sport Lisboa e Benfica, um dos clubes mais históricos e de maior referência do Mundo, comemora este sábado o seu 105.º aniversário. Para O Maior Clube do Mundo, parabéns. Uma vez Benfica Sempre Benfica. O mais campeão de Portugal e um dos maiores do mundo. SLB.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009


recantos de Cascais - foto flipvinagre

Diz a sabedoria popular que um homem só tem uma vida completa quando planta uma árvore, escreve um livro e tem um filho. Os vértices deste triângulo pressupõem coisas duradouras, algo que permanece após a morte, simbolizam continuidade, presença e também tradição. E estão relacionados com uma trilogia essencial, familia, trabalho e natureza. No fundo, sinais que preconizam uma certa filosofia de vida, embora se me afigure simplista e redutora. Será que aqueles que atingem o Everest não tiveram uma vida cheia? Claro que sim, daí o sentido meramente indicativo e subsidiário de uma sabedoria empírica.

Questão: Como nasceu o hábito de marido e mulher e/ou namorados andarem de mãos dadas?

Foi um procedimento de iniciativa masculina e teve como preocupação preventiva o seguinte efeito:
Se a soltar, ela vai às compras.
"Nouvelle Cuisine, roughly translated, means: I can't believe I paid ninety-six dollars and I'm still hungry."

Mike Kalin

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009


baía de Cascais - foto flipvinagre

A poesia não voltará a ritmar a acção; ela passará a antecipar-se-lhe

Rimbaud , Arthur

“Emanuel foi dispondo as pedras e, pacientemente, contou. Com muito treino pode jogar-se xadrez sem tabuleiro. Os viajantes portugueses do tempo das descobertas contavam que os árabes, para entreterem o tempo nas longas caravanas, jogavam xadrez de memória, de camelo para camelo. E falou em André Philidor, em Capablanca, em Alekhine...
- Lérias – rosnou o homem muito seguro de si. – Tape-me esses olhos que eu fodo-o logo!
- E4 – anunciava Emanuel mais tarde, com os olhos vendados por um lenço preto, e ainda por cima voltado de costas para o tabuleiro.
- Quê?
- E2-e4 – explicitou Emanuel.
- Mas que merda é esta? Falamos chinês ou o caraças?
- Mas como, prefere a notação geométrica?
- Geométrica o tanas, eu quero é que você me diga as suas jogadas ou o caraças.
Aquela voz, à medida que enferrujava, tornava-se cada vez mais autoritária.
- Faça avançar duas casas o peão que está em frente do rei branco.
- Ok, agora sou eu – as peças estalaram com força no tabuleiro como as do dominó jogadas por peritos de taberna, na fórmica das mesas. – Afinfo-lhe com os dois cavalos!
-Perdão?
- Os dois cavalos, caraças!
Som de líquido a gotejar de fiada. Mais uma rodada, pensou Emanuel.
- Mas, desculpe lá, não pode sair com os dois cavalos ao mesmo tempo...É contra as regras...
- Ai que este está a querer fornicar-me! Pensas que eu comecei a jogar esta merda ontem?
- Desculpe. Assim não continuo.
Desamparado ruído de uma cadeira que tombava. Emanuel, numa pressa, desvendou-se. Januário espalhou as peças no tabuleiro e olhou para ele com um ar torvo.
- Cabrão do puto. Queria-me ensinar a jogar xadrez, o sacana! Ainda os teus pais não eram nascidos já eu jogava xadrez em tudo o que era caserna e em tudo o que era messe lá na tropa, ou o caraças, pá.”

Mário de Carvalho in Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina

Uma voz que canta convoca a terra perdida.

Quase em surdina, evoca os secretos lugares

da infância;

o sítio onde pousavam os pássaros

o quintal cheio de estórias

e - lembras-te? - a tarde em chamas.

A voz murmura:

O exílio é onde nada se recorda de ti

Nada te diz:

sou teu/és meu


José Eduardo Agualusa

saldos e língua portuguesa, há uma relação directa...


"As autoridades de Pequim reforçaram as medidas de segurança nas principais cidades do Tibete e interditaram o território a estrangeiros, à medida que se aproximam os aniversários dos protestos antichineses de 2008, da revolta de 1959 e posterior fuga para a Índia do líder espiritual, o Dalai Lama." (mais no DN, aqui)
Umas criaturinhas detestáveis estes chineses!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009


Tamariz - foto flipvinagre

El tiempo es un río que me arrebata, pero yo soy el río; es un tigre que me destroza, pero yo soy el tigre; es un fuego que me consume, pero yo soy el fuego. El mundo, desgraciadamente, es real; yo, desgraciadamente, soy Borges.

Jorge Luis Borges Acevedo (1899 -1986)(Nueva refutación del tiempo).

A casa estava um caos. Louça espalhada pela bancada da cozinha, um cheiro no ar a cão e gato misturado com um odor quente a erva e tabaco. E como se tal não bastasse, o mosaico branco e negro estava salpicado de manchas indecifráveis, de tonalidades diversas, garrafas de vodca vazias, dispersas, até o caixote do lixo figurava encostado a um canto. Para meu espanto, deparei com um corpo estendido ao comprido entre a casa-de-banho e o corredor. O leitor de cd’s tocava Don’t Let me Down numa voz soturna de uma qualquer banda cósmica que violava as leis da harmonia, uma adaptação rançosa que os Beatles certamente não teriam aprovado mas que um download pirata pusera num cd do chinês, só podia! E eu não fui convidado para esta festa!!!!!! É azar.
Acordei e fui tomar um duche retemperador, que sonho!


A Luísa e a once, simpáticas proprietárias e representantes dos muy distintos Blogues Nocturno e twice, three times a.., atreveram-se a requerer que revelasse seis particularidades da minha pessoa. Atenta, exlusivamente, a proveniência dos amáveis convites e após breve reflexo da m/imagem no espelho mais próximo, em síntese, posso referir que adoro duchaises, não prescindo de um bom filme de vez em quando, quando recebo bons livros fico muito contente, ando sempre à procura, não passo sem música e algo que me alimenta é a novidade (viajar, conhecer...). Acresce, ainda, mentindo, atestar que não gosto mesmo nada de desporto, praia e bikinis cor de laranja.
Ficam notificados para o mesmo efeito, querendo, todos aqueles que a tal mostrarem desejo, com a convicção plena de se divertirem fazendo-o. Obg.
:-)


(Da série "Poesia numa hora dessas?!")

Quando a Terra terminar numa grande explosão solar e o que era pedra, pau e aço virar pedaço e até os mares forem pelos ares sei que então, só então, voando em formação com moedas, botões, dedais e os restos de catedrais vai aparecer aquele meu chaveiro com a foto da Marilyn Monroe de corpo inteiro.

Luis Fernando Veríssimo

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009


"Ser imortal é insignificante; com excepção do homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal."

Jorge Luis Borges in “O Aleph”

perspectiva da baixa Pombalina e Sé de Lisboa, foto flipvinagre

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009



Ideia para uma peça.

No palco, uma mesa posta para 13 pessoas. Copos, pratos e talheres rústicos, grossas velas toscas e, na frente de cada lugar, um cartãozinho com o nome de quem deve sentar-se ali. Ninguém no palco.
Da esquerda aparece um mordomo seguido de um casal elegantemente vestido. O casal entra em cena visivelmente inseguro, olhando para todos os lados. O mordomo anuncia que os outros não demorarão a chegar e diz para o casal ficar à vontade. Se quiserem, podem beber água da moringa. O mordomo sai de cena. O casal se entreolha. Ela diz, num cochicho:
- Onde nós estamos?
Ele, cochichando também:
- E eu sei?
- Olhe o convite de novo.
O homem tira o convite do bolso do smoking e o examina pela décima vez. O convite ainda diz a mesma coisa.
- Só a data, a hora, o endereço e, em baixo, "RSVP".
- Esse "RSVP" é que é a chave de tudo. Deve ser as iniciais de alguma coisa.
- Mas do quê?
- "Reunião dos..." Sei lá.
- Podemos estar no jantar errado.
- Mas o mordomo viu o convite e nos deixou entrar.
- Olhe os cartõezinhos para ver se os nossos nomes estão aí.
Ela (lendo):
- "João", "Tiago", "Pedro"...
Ele (lendo):
- "Mateus", "Simão", "Judas"...
- Viu? Nossos nomes não estão aqui. Estamos no lugar errado.
- "Jesus"!
- Que foi?
- Neste cartãozinho... Está escrito "Jesus"!
Lentamente, eles se dão conta do que isto significa. Fazem a volta da mesa, um para cada lado, lendo os cartõezinhos outra vez. Se reencontram no meio da mesa.
- Aí está - diz ele. - Jesus ao lado de Pedro.
Os dois se encaram, de olhos arregalados e boca aberta. Finalmente, ele consegue falar.
- As letras...
- Que letras?
- Na cruz. Em cima da cabeça de Jesus Cristo. Não eram...
- RSVP!
Ele toma uma decisão:
- Vamos embora.
- Espera. E se a gente ficasse para...
- Está maluca? Isto aqui acaba mal. Não vamos nos meter nesta confusão.
- Mas...
- Olhe, o jantar vai ser horrível, acredite. Só pão ázimo, vinho barato e conversa de homem. Você seria a única mulher. Iria se sentir deslocada.
- Sim, mas...
- E eles, obviamente, não estão nos esperando. Pense no vexame.
A mulher se convence. Tudo menos uma gafe social. Os dois saem furtivamente do palco.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

recebi por email(consta que terá sido notícia da "France Presse - Michael Dunlea, Pool/AP(?):
07/03/2006
21h06-LONDRES, Inglaterra - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido em Londres pela rainha Elizabeth II.
Na carruagem que os transportava para o palácio de Buckingham, o presidente e a rainha conversavam, auxiliados por um intérprete.

Porém, no meio do trajecto, um dos cavalos soltou um pum. Um cheiro horroroso invadiu a carruagem e a rainha, constrangida, desculpou-se pela falta de educação do seu súbdito equino:

- Sr. presidente, queira desculpar-me, estou muito envergonhada...

Lula, educadamente, respondeu:
- Não se preocupe, Majestade. São coisas que acontecem. Eu até pensei que tinha sido o cavalo...

domingo, 22 de fevereiro de 2009


a solidariedade e a ternura no meio do inferno que foram os incêndios este ano na Austrália, inspirador o suficiente para acreditar em nós próprios...

laranja na praia - foto flipvinagre

As amendoeiras começam a florir. Um espectáculo lindo.
Lembra-me a lenda das Amendoeiras em flor

Há muitos séculos, reinava em Chelb, a futura Silves, o rei Ibn-Almundim. Este rei nunca tinha conhecido uma derrota. Um dia, entre os prisioneiros de uma batalha, viu a linda Gilda, uma princesa loira de olhos azuis e porte altivo. Ela era nórdica. Impressionado, o rei mouro deu-lhe a liberdade. Conquistando progressivamente a confiança de Gilda, confessou-lhe o seu amor e pediu-a em casamento. Foram felizes durante algum tempo. Um dia, a bela princesa do Norte adoeceu sem razão aparente. Um velho cativo das terras do Norte pediu para ser recebido pelo rei e revelou-lhe que a princesa sofria de nostalgia da neve do seu país distante. Então, Ibn-Almundim mandou plantar por todo o seu reino muitas amendoeiras.

Na Primavera seguinte, o rei levou Gilda à janela do terraço do castelo. Ao ver as flores brancas das amendoeiras, a princesa começou a sentir-se melhor, pois davam-lhe a ilusão da neve. Gilda ficou curada da saudade que sentia.

Um amigo do peito embarcou hoje de manhã com destino a Luanda, foi para lá trabalhar, regressa à terra que o viu nascer, motivos profissionais assim ditaram a sua sorte, não foi a saudade nem o prazer de rever a terra-mãe, foi mesmo a salvaguarda do seu ganha-pão, a sua sobrevivência económica. E foi ciente de que aquela terra maravilhosa já não é a que era quando lá nascemos, está diferente, em quase tudo, mas é lá que está o seu futuro imediato e foi para lá que rumou, desejei-lhe toda a sorte do mundo, ia com uma lagrimita no olho, deixa cá a família e os amigos, não é fácil!
Motivos profissionais “obrigaram-me” também num passado recente a permanecer lá dois longos meses, digo longos porque os pontos de referência que ajudam a criarmos raízes num determinado local não se esgotam unicamente no sítio, acresce a família, os amigos, os laços de amizade duradouros que se estabeleceram ao longo de um período determinado e um conjunto de circunstâncias que fazem com que o nosso universo seja aquele, só aquele, e isso já não acontece, embora lá permaneçam grandes amigos que, por opção, decidiram ser ali a sua terra.
Enquanto o trabalho nos absorva e domine todos os minutos do nosso dia-a-dia, é fácil ausentarmo-nos para onde quer que seja, o pior é quando ficamos sós e bate à porta a saudade (da família, do lar, das nossas coisas, da cidade, dos nossos hobbies...tanta coisa que tudo então se pondera!!!) o tempo parece parar e somos sujeitos à influência poderosa da nostalgia, a um questionar gigantesco de razões que só nos abandonam com a ajuda e a atenção dos amigos que decidem partilhar connosco a nossa luta interna e então passa a ser sagrado o pouco do seu tempo e da sua atenção para connosco, é a vacina ideal contra essa ditadura nostálgica que se quer apoderar de nós. E eu tive a sorte de encontrar amigos, por isso os guardo e estimo.
E alguns desses amigos são amigos comuns, por isso sei que ele ficará bem, embora subsista sempre uma dorzinha chata no peito que teima em não querer abandonar-nos ao fim do dia, aguenta Tó, que o cumbu compense tudo isso, agarra uma calma mermão!
AH, e manda-me goiabas, mamão, papaia e sol, bué de sol...


O LEITOR (The Reader).

Argumento: David Hare
Intérpretes:David Kross, Jeanette Hain, Kate Winslet, Ralph Fiennes
Realização:Stephen Daldry
Baseado no romance - Der Vorleser-, de Bernhard Schlink.
O premiado director de As Horas, Stephen Daldry, mostra novamente toda sua força nesta história de medos e segredos escondidos pelo tempo. Nos anos 50, pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o jovem Michael Berg adoece e passa a ser cuidado por uma bela e estranha mulher, Hanna, que tem o dobro de sua idade.
Hanna (Kate Winslet) foi uma mulher solitária durante grande parte da vida. Quando se envolve amorosamente com o adolescente Michael (Ralph Fiennes) não imagina que um caso de verão irá marcar suas vidas para sempre. Hanna misteriosamente desaparece. Passados oito anos, Michael é agora um aluno de Direito que acompanha julgamentos de crimes de guerra cometidos pelos nazis. É nesse momento que Hanna reaparece na vida do rapaz. Mas para a surpresa dele, a mulher está no banco dos réus. Enquanto o passado de Hanna é revelado, Michael descobre um segredo que poderá transformar a vida de ambos.
Kate Winslet expõe uma tridimensionalidade maravilhosa da sua personagem, Hanna, retratando-a na pela de acusada como uma mulher forte, orgulhosa e trabalhadora, porém humana e ferida pela vida, com uma racionalidade incrível, a mesma mulher que é capaz de mandar à morte outras mulheres é capaz de chorar ao ver crianças cantando numa igreja, é um trabalho emocional com uma personagem acima de tudo ambígua. Ralph Fiennes, como sempre brilhante, expondo todo o amor, dúvida e raiva que sentia pela mulher que o abandonou. David Kross brilha na pele de Michael Berg mais jovem, expondo de forma soberba toda a inocência do seu personagem e as suas fases diversas, amadurecendo-o, crescendo-o, vivendo-o.
Vale bem a pena.

sábado, 21 de fevereiro de 2009


O assunto da aula era O Medo.

A professora começa a perguntar...
– Pedrinho, do que você tem mais medo?
– Do papão, stora.
– Mas, Pedrinho, o papão não existe. É apenas uma lenda... Você não precisa ter medo.

– Mariazinha, do que você tem mais medo?
– Do lobo mau, stora.
– Mariazinha o lobo mau também não existe. É somente outra lenda...Você não precisa ter medo.

– E você, Joãozinho? Do que tem mais medo?
– Do Mala Men, stora.
– Mala Men? Nunca ouvi falar... Quem é esse Mala Men?
– Quem é eu também não sei, stora. Mas todas as noites a minha mãe diz na oração: – Não nos deixais cair em tentação mas livrai-nos do 'Mala Men'

Decaffeinato

Trata-se da mistura descafeinada mais leve e mais cremosa, proporcionando um equilíbrio rico e delicado entre suavidade e acidez. O creme do Decaffeinato distingue-se pela sua cor de avelã e uma textura consistente na boca.

Intensidade: 2
Degustação ideal: chávena pequena (40 ml)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


Praia de S. Pedro do Estoril - foto flipvinagre

O tempo promete, e por isso coloquei aqui umas espreguiçadeiras para, querendo, aproveitarem o sabor de um lugar ao sol.

Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio que, parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois não o conhece) nem o perigo (porque não o vê) podem demover de qualquer empreendimento. O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas, que proveito tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos requintados, algumas simples puerilidades — eis todo o fruto de sua fadiga. O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. Homero, embora cego, enxergava muito bem essas verdades: “O tolo — disse ele — aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato”. Duas coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia à ação. Ora, é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades. Raros são os que sabem que, para fazer fortuna, é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo. Quero observar-vos, além disso, que os que preferem a prudência fundada no julgamento das coisas estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência.

Erasmo de Roterdam - Elogio da Loucura

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


"Quando acordo à meia-noite, fico às voltas na cama, com o pano da almofada a arder-me na cara e repetindo até ao amanhecer: 'Olhos de cão azul'.
Então eu parei, a cara contra a parede. "Já está a amanhecer", disse sem olhar para ela. "Quando soaram as duas da manhã, estava acordado, e já passou muito tempo." Dirigi-me para a porta. Quando agarrei a maçaneta, ouvi outra vez a voz dela, igual, invariável: "Não abras essa porta, o corredor está cheio de sonhos difíceis". E eu disse-lhe: "Como é que sabes?" E ela disse-me: "Porque há pouco estive lá e tive de voltar quando descobri que estava a dormir sobre o coração". Eu tinha a porta entreaberta e uma aragem fria e leve trouxe-me um cheiro fresco a terra vegetal, a campo húmido. Ela falou outra vez. Voltei-me, fazendo rodar a porta nos seus gonzos silenciosos, e disse-lhe: "Acho que não há corredor nenhum aqui fora. Sinto o cheiro do campo". E ela, já um pouco longe, disse-me: "Conheço isto melhor do que tu. O que se passa é que lá fora está uma mulher que sonha com o campo". Cruzou os braços sobre a chama. Continuou a falar: "É essa mulher que sempre desejou ter uma casa no campo e nunca conseguiu sair da cidade". Eu lembrava-me de ter visto a mulher num qualquer sonho anterior, mas sabia já, com a porta entreaberta, que dentro de meia hora teria de descer para o pequeno-almoço. E disse-lhe: "Seja como for, tenho de sair daqui para acordar".

Gabriel García Marquez in “Olhos de cão azul”

Por isto gosto tanto daquela cidade. Ora vejam. Na estação de metro de Liverpool Street Station/Londres.Foi numa segunda -feira de manhã. São 70 bailarinos misturados com passageiros e estes acabaram por interagir nas danças. Depois, foram trabalhar, normalmente. Este "show" foi planeado e ensaiado durante 8 semanas, sem o conhecimento do público. Clicke aqui.

S.Pedro do Estoril -foto flipvinagre

Prima Vera vem, depressa!


SONETO DE DEVOÇÃO
(Vinícius de Moraes)

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todos a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela

Essa mulher é um mundo! – uma cadela
Talvez... – mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Temos mais uma Diva no jazz. Marta Hugon fez a sua formação pela Escola de Jazz do Hot Clube de Portugal, complementando-a com estudos no Conservatório de Amsterdão, lugares onde aprendeu sobre canto e sobre jazz com as professoras Ana Paula Oliveira, Norma Winstone e Nancy Marano. Em 2000, emprestou a voz ao excelente “Música Exótica Para Filmes, Rádio e Televisão”, dos Cool Hipnoise, e, dois anos mais tarde, ao álbum de Shrimp (ou seja, Alexandre Camarão), “Electric Sul”. Nos primeiros anos do novo século ganhou uma importante rodagem com inúmeras actuações em salas e festivais de jazz um pouco por todo o país. Marta Hugon actuará (muito bem) acompanhada pelo pianista Filipe Melo, pelo contrabaixista Bernardo Moreira e pelo baterista André Sousa Machado. Esta mesma formação é responsável pela instrumentação das canções que Marta interpreta no seu segundo álbum, o esplendoroso “Story Teller”, que está disponível desde Novembro.”
segurança, flexibilidade e estilo, através de uma performance plena de sentimento e, ainda assim, tecnicamente exacta.
Clicke aqui, veja e oiça esta bela e talentosa diva num cássico“too close for confort”
E o site dela é aqui.
A Júlia Moura Lopes, autora de um Blog muito bonito, O Privilégio dos Caminhos, colocou-me em mãos uma corrente, que vou tentar dominar, com muito prazer. Eis as regras: Pegar o livro mais próximo e na pág. 161 transcrever a 6ª frase e escrever sobre. Só para dar algum sentido ao contexto da frase, coloco também a anterior:

“Tinham dificuldades, eu percebi, viviam com a mãe. Mas tinham em tudo um requinte de distinção.”

Virgílio Ferreira in “Para Sempre”

Escrever sobre:
Direi, neste caso, que o texto fala por si. Com efeito, a distinção inerente a cada pessoa, muitas vezes, não depende da sua condição económica, residindo, isso sim, na educação adquirida.

Passo a corrente a todos que queiram partilhar um pouco de algo connosco, obg.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009


Há livros que nos prendem desde as primeiras páginas, porque é como se tivessem sido escritos para nós. Não é que o mundo não tenha direito a conhecê-los; apenas, enquanto os lemos, o resto do mundo deixa de existir para nós .

António Mega Ferreira

Carcavelos - foto flipvinagre

O mar jamais o quero oculto de mim

De vez em quando a electricidade falha. Acontece! Há uns dias atrás, a falha prolongou-se por mais tempo do que é costume e, à luz das velas, pus-me a pensar em como ocupar o tempo para não ficar a olhar para o balão. Recorri então a um rádio portátil que estava para ali a um canto e serviu o mesmo a sua finalidade, isto é, ouvir as notícias, música, comentários diversos e opiniões variadas. E deu-me muito jeito, ajudou-me a passar o tempo. E é nestas ocasiões que damos conta das transformações que vamos vivendo ao longo do tempo. A telefonia ocupou um lugar de destaque em tempos idos, as pessoas, as famílias, a sociedade sentava-se para ouvir rádio. Quando estudei nos Maristas, em Silva Porto, televisão era coisa que só existia no “Puto” (Portugal continental), lá só se ouvia rádio. Os Transistors eram relativamente recentes e tornaram-se em portáteis de bolso bastante utilitários. À noite, no colégio, alguns de nós recorríamos a estes pequenos rádios para ouvir música, entretinha-nos e até ajudava a adormecer. Como os Irmãos não permitiam que os ouvíssemos à noite nas camaratas, colocávamos os aparelhos debaixo das almofadas, o som era abafado para o exterior mas perfeitamente audível para nós. Um risco esta violação da disciplina! Mas eram as “armas” que usávamos contra o “inimigo” para combater uma espécie de tédio e solidão, ganhando-se, em contrapartida, informação e algum relaxamento.
E foi assim, numa falha de electricidade, que voei à velocidade da luz uns anitos para o passado, uma viagem interessante para as emoções que vão ficando connosco enquanto o tempo vai trazendo outras.

“Em criança, ainda antes de aprender a ler, passava horas na biblioteca da nossa casa, sentado no chão, a folhear grossas enciclopédias ilustradas, enquanto o meu pai compunha versos árduos, que depois, muito sensatamente, destruía.”

José Eduardo Agualusa in O Vendedor de Passados

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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


A Sopa e as Nuvens
(Charles Baudelaire)

A LOUCA da minha bem-amada me dava de jantar, e pela janela aberta da sala de refeições eu contemplava as movediças arquitecturas que Deus faz com as nuvens, as maravilhosas construções do impalpável.

E dizia comigo, através da minha contemplação:

– “Todas estas fantasmagorias são quase tão belas quanto os olhos de minha amada, a pequena louca monstruosa de olhos verdes”.

De súbito senti um violento murro nas costas e ouvi uma voz rouca e encantadora, uma voz histérica, e como enrouquecida pela aguardente, a voz da minha querida bem-amada, que me dizia:

– Trate de tomar a sua sopa, seu maluco, mercador de nuvens!

BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa.

FaroldeSta.Marta,Cascais-foto flipvinagre

Permanecia deitado e vagueava pela cidade no meio de uma pequena multidão. Vi o combóio, o Metro, entra e sai, sobe e desce, o arrumador a fazer-me sinal, e a multidão apressada ultrapassava-me sem ruído algum, só o vento parecia deslocar-se com eles. Os meus passos entretanto aceleravam, caminhava em direcção a não sei o quê e comigo outros tantos, todos parecíamos sonâmbulos.
Por vezes é difícil apercebermo-nos do que se passa à nossa volta, convertemo-nos em perfeitas máquinas de pensar por conta alheia e vivemos um tempo preenchido em elocubrações quase instantâneas, estamos automatizados, paramos de pensar em nós mesmos, e uns bons anos depois de uma rotina quase sagrada e monocórdica, ao pararmos para ver as sombras, acordamos com a sensação de termos congelado, divagámos num rumo imposto.
E é então que acordamos e começamos a viver a vida com outro sabor, dir-se-ia até que ressuscitamos.
Isto faz parte da vida?
Mas vida em que sentido?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


Praia da Poça, Estoril - foto flipvinagre


Amostra sem valor

Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem,dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão