sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio que, parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois não o conhece) nem o perigo (porque não o vê) podem demover de qualquer empreendimento. O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas, que proveito tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos requintados, algumas simples puerilidades — eis todo o fruto de sua fadiga. O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. Homero, embora cego, enxergava muito bem essas verdades: “O tolo — disse ele — aprende à própria custa e só abre os olhos depois do fato”. Duas coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer: uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem; a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia à ação. Ora, é próprio da Loucura dirimir todas essas dificuldades. Raros são os que sabem que, para fazer fortuna, é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo. Quero observar-vos, além disso, que os que preferem a prudência fundada no julgamento das coisas estão muito longe de possuírem a verdadeira prudência.

Erasmo de Roterdam - Elogio da Loucura

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