FlipVinagre

Todos os dias levava o livro consigo no combóio, sempre lia qualquer coisa e ajudava a encurtar a viagem. Ao chegar ao Cais do Sodré, fechava-o e rumava ao escritório, só voltava a pegar nele à hora de regresso. Voltava sempre tarde para casa, cansado, na viagem da noite o sono apoderava-se das suas pálpebras, era inevitável, ele caía de sono e passava pelas brasas, involuntariamente. Ao fim de quatro meses só tinha lido cerca de vinte ou vinte e cinco páginas, muito pouco, praticamente só lia de manhã, na viagem de ida. O livro era já um companheiro, às vezes lembrava-se de qualquer coisa que tinha para fazer e rabiscava num canto ou na última pagina, para memória futura, o respectivo apontamento e para não estragar o livro por completo começou a colar nele alguns post-its, às cores, o livro começou a parecer-se com um arco iris. Quando abria o livro, de manhã, perguntava-se a si próprio se era mesmo ali que tinha ficado na última leitura, uma confusão! Certo dia, porém, ainda em Paço D’Arcos, não foi capaz de exibir ao revisor o seu passe social, ficou todo atrapalhado e foi convidado a esclarecer melhor a situação junto do chefe da estação. O livro ficou esquecido no assento do combóio e só se lembrou dele quando voltou novamente para a plataforma. Concluíu que o melhor era procurá-lo no dia seguinte na secção de perdidos e achados. Assim fez mas não estava lá, ninguém o entregara. O responsável daquela secção, vendo-o tão decepcionado, voltou à estante e tirou de lá um livro à sorte e entregou-lho, capa vermelha, encadernada, em bom estado, o título, em letras negras “ Como Gerir e Dominar o Sono”. Ele aceitou.